O futebol vive tempos de glamour. Muitos jogadores,
além de craques, são celebridades. Algo natural diante do tamanho do
negócio. É preciso vender o espetáculo, que deixou de ser apenas um
jogo. Cada vez mais, o futebol é um grande entretenimento. Transformação
que teve um de seus maiores exemplos na década de 1970, bem distante
dos centros mais tradicionais do esporte. Nova York ganhou o Cosmos,
mais que um clube, um enorme show.
TEMA DA SEMANA: 5 times que não ganharam o Mundial, mas foram chamados de melhor do mundo
Os nova-iorquinos não ficaram conhecidos como o melhor time do
planeta. Mas eram sim o maior espetáculo, porque tinham os maiores
craques. Multidões passaram a frequentar os estádios para ver futebol,
algo que nunca tinha acontecido antes nos Estados Unidos. Para aplaudir
Pelé, Beckenbauer, Carlos Alberto, Chinaglia, Neeskens e outros tantos
medalhões que vestiram a camisa branca. Uma época dourada, mas limitada,
que se encerrou justo quando o Cosmos conseguia vencer os grandes times
do mundo em amistosos.
O megaevento começa logo nos primórdios
O New York Cosmos nasceu como um clube de futebol, mas logo com uma
visão empresarial voltada ao entretenimento. Sua concepção veio da alta
cúpula da Warner Comunicações, de superproduções na música, na televisão
e no cinema. Entre os cabeças do projeto estavam os irmãos turcos Ahmet
e Nesuhi Ertegün, fundadores da Atlantic Records e responsáveis por
promoverem diversas estrelas do rock e do blues – Ahmet, inclusive,
criou o Hall da Fama do Rock. Já o presidente da Warner na época era
Steve Ross, criador da MTV e que comprou a Atari na década de 1970.
Saber divertir, portanto, não seria problema para eles.
Em 1970, os planos saíram do papel. E o primeiro contratado para se
aproximar do Cosmos foi Clive Toye, que trabalhava como executivo do
Baltimore Bays, clube de trabalho fugaz pela North American Soccer
League (NASL, a liga americana) no final da década de 1960. Inglês de
nascimento, Toye havia trabalhado como jornalista e foi editor de
esportes Daily Express, periódico importante de seu país. A aposta da
Warner era em um presidente que trouxesse um olhar que não se limitasse
apenas ao futebol dentro do clube. Escolha que se mostraria mais do que
acertada.
O primeiro passo era a escolha de um nome para a equipe. Foi
realizado um concurso, que recebeu mais de três mil sugestões. E os
vencedores foram dois professores, que deram a mesma ideia: New York
Cosmos. O apelido era uma abreviação de Cosmopolitans, que faria
referência a outra equipe da cidade, o New York Metropolitans – os Mets,
do beisebol. Além disso, Cosmos passava muito da ideia que regia o
clube em sua criação, de ser cosmopolita, de ultrapassar as fronteiras
de Nova York.
Os anos anteriores a Pelé
O New York Cosmos iniciou suas atividades como clube em 1971,
participando da quarta edição da NASL. A competição teve impacto
imediato em sua primeira temporada, em 1968, com 17 participantes e
transmissões da CBS. Nos anos seguintes, entretanto, houve uma retração
significativa na liga – os altos salários para estrelas estrangeiras e o
público abaixo do esperado atrapalharam. A NASL tentava se restabelecer
sem o impacto da novidade, buscando ser sustentável e também atrativa
aos americanos.
WOLVERHAMPTON: o campeão do mundo dos jornais ajudou a criar a Champions
Quando o Cosmos entrou no torneio, a estrutura era semiprofissional.
No entanto, gradativamente o futebol começava a ser abraçado nos Estados
Unidos. O clube de Nova York mandava seus jogos no antigo Estádio
Yankee, com média de 4,5 mil torcedores por partida – superior até mesmo
à média da NASL. E, esportivamente, os resultados foram praticamente
imediatos, com o vice-campeonato no ano de estreia.
Já naquela época, o elenco até contava com jogadores estrangeiros, a
maioria latinos, mas nenhum medalhão. A grande estrela era Randy Horton,
atacante nascido em Bermuda e que foi estudar na Inglaterra, onde jogou
futebol e críquete. Apesar dos convites para se profissionalizar em
ambos os esportes, o jogador preferiu fugir do clima inglês para voltar
ao arquipélago e se tornar professor, antes de migrar aos EUA.
Horton liderou o Cosmos ao seu primeiro título da NASL, em 1972. O
investimento em nomes tarimbados se intensificou um pouco mais naquela
temporada, com a chegada do ex-palmeirense Chinesinho e de Josef
Jelinek, vice-campeão mundial com a Tchecoslováquia em 1962. A equipe
perdeu apenas dois jogos na temporada regular e superou o St. Louis
Stars na decisão dos playoffs. O problema é que a conquista não
significava necessariamente o sucesso fora de campo, com a média de
público se retraindo um pouco. Nos dois anos seguintes, o Cosmos ficou
pelo caminho no sonho da taça, e via sua torcida nas arquibancadas
minguar cada vez mais. Era hora de revolucionar o futebol nos Estados
Unidos.
Como Pelé mudou o futebol nos EUA
A NASL conseguiu se reconstruir durante a década de 1970. A liga
chegou ao recorde de público em 1974, com média de 7,7 mil espectadores
por jogo. Mesmo assim, faltava um grande passo para que o futebol se
tornasse mesmo popular nos Estados Unidos. E ele foi dado pelo New York
Cosmos em junho de 1975, quando o clube anunciou a contratação de Pelé.
SPARTA:
A equipe que dominou a Europa e ainda bateu a base da Celeste bicampeã olímpica
O Cosmos planejava a contratação do brasileiro desde a sua fundação. A
ideia era de Toye, convencendo os executivos da Warner sobre o impacto
que a transferência causaria. Porém, foi só depois que o camisa 10 se
despediu do Santos que os americanos conseguiram concretizar o negócio.
Os americanos pagariam uma fortuna, mas confiavam que o investimento
teria retorno: US$ 1,4 milhões por ano, com baixos impostos. Em
consequência, o Cosmos também se transformou. De cinco funcionários,
passou a ter mais de 50 pessoas para capitalizar com a chegada de Pelé.
A própria apresentação de Pelé foi um evento ímpar. Aconteceu no 21
Club, restaurante badaladíssimo de Manhattan, com a presença de dezenas
de repórteres. Um negócio classificado como o golpe do século no mercado
de transferências. “Foi um caos absoluto. Passamos meses mantendo em
segredo para que Juventus e Real Madrid não levassem Pelé. Foram quatro
anos de negociações em absoluto sigilo”, lembra-se Toye, em entrevista
ao site Big Apple Soccer. “Eu queria mostrar que o futebol havia chegado
em Manhattan, e não para ficar escondido em bairros étnicos”.
A estreia de Pelé aconteceu cinco dias depois do anúncio, contra o
Dallas Tornado. O jogo foi transmitido pela CBS para 22 países e levou
uma multidão ao acanhado Downing Stadium. O campo, com pouca grama, foi
até pintado de verde para o grande evento que receberia, com mais de 300
jornalistas no local. Os portões do estádio precisaram ser abertos
depois que a lotação de 22,5 mil pessoas foi atingida e a estimativa é
de que houvesse o dobro do lado de fora. Já na TV, a audiência do
confronto chegou a 10 milhões de espectadores. Era o ponto de virada do
Cosmos, da NASL e do futebol nos Estados Unidos.
O show chega ao seu ápice
Com Pelé, o New York Cosmos se tornou uma febre no país. A média do
clube mais do que triplicou em 1975, chegando a 10,4 mil torcedores por
partida. A transferência começou a atrair outras estrelas à NASL. E a
CBS voltou a transmitir os jogos da competição, fechando contrato para a
temporada seguida. Por mais que os resultados em campo não tenham sido
tão bons assim, com o terceiro lugar na liga, a repercussão e a
qualidade técnica que o Rei levou aos Estados Unidos já valiam demais
para o clube. Naquele momento, o Cosmos era uma marca. Uma espécie de
Harlem Globetrotters do futebol, que atraía milhares de pessoas apenas
para vê-los.
Afinal, o próprio Cosmos passou a investir pesado em estrelas para a
sua equipe. Pelé ganhou um grande parceiro no ataque: o italiano Giorgio
Chinaglia, ídolo absoluto da Lazio e que havia disputado a Copa do
Mundo de 1974. Outra estrela era o goleiro americano Shep Messing, visto
também como ícone pop. Além disso, o clube ganhou uma série de
jogadores rodados no futebol britânico, entre eles Brian Tinnion, Dave
Clements e Tony Field. A equipe passava a não ser tão dependente do
futebol de Pelé, que ganhou o prêmio de MVP. Contudo, parou no Tampa Bay
Rowdies nos playoffs. Mesmo assim, o público correspondeu muito bem nas
arquibancadas. O clube trocou o Estádio Downing pelo Yankee e chegou a
18 mil torcedores por partida.
A fama do Cosmos era mais do que nacional, era mundial. Entretanto,
faltavam testes maiores do que a NASL para o clube. O campeão da liga
sequer podia se sagrar campeão continental, já que não entrava na Copa
dos Campeões da Concacaf. O jeito era medir forças em amistosos contra
clubes estrangeiros, prática que era recorrente no clube desde 1972.
Naqueles primeiros anos, porém, os nova-iorquinos eram presas para
clubes mexicanos e russos. A partir de 1975, as possibilidades
aumentaram com as turnês por Europa, Ásia e América Central feitas pela
equipe. Em 1977, o Cosmos chegou a vencer a Lazio dentro do Estádio
Olímpico de Roma. De qualquer forma, faltavam confrontos contra equipes
de mais peso.
A maior conquista do esquadrão
Em 1977, enfim, as grandes glórias do Cosmos. O time passou a atuar
no Estádio Giants, do futebol americano, levando mais de 34 mil pessoas a
cada partida. Já em campo, Pelé e Chinaglia ganharam companhias ainda
mais ilustres. No comando da defesa, Franz Beckenbauer aceitou a
proposta milionária para deixar o Bayern de Munique, tricampeão europeu
no triênio anterior. Carlos Alberto Torres e Rildo foram trazidos do
futebol brasileiro para as laterais. E Jomo Sono, considerado um dos
melhores jogadores sul-africanos de todos os tempos, ajudava o Cosmos a
expandir ainda mais as suas fronteiras.
Durante a temporada regular, o Cosmos ficou com a segunda melhor
campanha. Mas isso não impediu a equipe de fazer miséria nos playoffs.
Foram cinco vitórias e um empate em seis partidas, com Chinaglia
anotando nove gols e Pelé mais quatro. Pelo caminho, eliminaram o Fort
Lauderdale Strikers, de Gordon Banks. E a primeira partida contra o time
da Flórida, no Giants Stadium, bateu o recorde de público na NASL: 77
mil pessoas viram o triunfo por 8 a 3 dos nova-iorquinos, a goleada mais
inesquecível.
HONVÉD: O esquadrão húngaro que revolucionou o futebol
Já a decisão do campeonato de 1977 foi cercada de tensão. Afinal,
aquela era também a despedida de Pelé profissionalmente. E o Cosmos
tinha a obrigação de vencer o Seattle Sounders no Estádio Cívico de
Portland. Segundo o goleiro Shep Messing, em entrevista ao site In Bed
With Maradona, o clima era de nervosismo nos vestiários, mesmo entre os
mais experientes. Hunt abriu o placar, o Sounders empatou e Chinaglia
anotou o gol do título. Mais do que um sucesso comercial, Pelé ainda
pendurou as chuteiras campeão. Seu adeus ainda aconteceria em um
amistoso festivo contra o Santos, em que nomes como Mohammed Ali, Henry
Kissinger, Steven Spielberg e Mick Jagger estiveram presentes.
A vida após Pelé
Não foi a saída de Pelé que fez com que o Cosmos caísse de nível.
Pelo contrário. O espetáculo do camisa 10 tinha criado raízes nos
Estados Unidos. A média de público do Cosmos foi ainda maior em 1978,
levando 47 mil pessoas por partida no Estádio Giants. E aquela base já
formada foi ainda mais imponente na NASL, conquistando a temporada
regular e os playoffs, batendo o Tampa Bay Rowdies na decisão.
Em 1979, após com o craque holandês Johan Neeskens, o Cosmos caiu nas
semifinais da NASL, depois de fazer a melhor campanha na fase
classificatória. E o clube reconquistou a taça no ano seguinte, com
Romerito, Oscar e Roberto Cabañas chegando ao elenco. Na decisão, a
vítima foi o Fort Lauderdale Strikers, que contava com Gerd Müller e
Teófilo Cubillas. Na virada da década, a NASL ainda possuía grandes
nomes do futebol mundial, como Johan Cruyff, George Best, Elias Figueroa
e Kazimierz Deyna – embora nenhum deles tivesse o peso de Pelé.
Além disso, foi nessa época que o Cosmos aumentou a quantidade de
amistosos contra grandes equipes europeias e sul-americanas. O nível
competitivo ainda era baixo, derrotados por Atlético de Madrid, Boca
Juniors, Bayern de Munique, Estrela Vermelha e outros, de início. Mesmo
assim, já era possível desafiar esses times e, com experiência,
conseguir melhores resultados. Tanto é que, no início da década de 1980,
o Cosmos fez como vítimas Roma, Milan, Celtic, Napoli, Grêmio, São
Paulo e Peñarol. Não era exatamente uma potência, mas os nova-iorquinos
tinham capacidade para encarar clubes de camisas bem mais pesadas.
No fim do espetáculo, os últimos lampejos
Apesar do sucesso em campo, os sinais de declínio no negócio eram
evidentes. Pela primeira vez em três anos, o Cosmos teve média de
público inferior a 40 mil pagantes em 1981. Mantinha-se soberano na
temporada regular e chegava na decisão em todos os anos. Mas os craques e
o bom futebol não eram mais suficientes para empolgar o público da
mesma forma, com a média chegando a 27 mil espectadores em 1983 e caindo
para 12 mil em 1984. Depois de dois vice-campeonatos seguidos, o time
foi bicampeão em 1983 e 1984. Chinaglia já tinha atingido uma aura de
chefe do time, depois de sete temporadas consecutivas como artilheiro.
Faltava, porém, tornar o negócio como um todo. O Cosmos via a falência
de seu negócio se tornando iminente e, por consequência, a da NASL.
Mesmo assim, o Cosmos teve seus resultados mais notáveis nos
amistosos que disputou naquele ano. Os nova-iorquinos enfrentaram o
campeão da Libertadores e da Copa dos Campeões. E venceram os dois: 3 a 2
sobre o Argentinos Juniors e 2 a 1 sobre a Juventus. Craque dos
bianconeri, Michel Platini havia impressionado os americanos nos
treinos, mas não conseguiu mostrar tanta qualidade no jogo. Já na Copa
Transatlântica, o Cosmos bateu o Barcelona de Diego Maradona por 5 a 3 e
a Udinese de Zico por 4 a 1 para ficar com o título. É verdade que não
eram jogos competitivos, mas os americanos bateram melhores clubes e
melhores jogadores do mundo.
Foi a despedida em grande estilo. Sem contrato com as redes de TV e
com a recessão econômica atingindo com força a população americana, a
NASL faliu no fim de 1984, com prejuízos milionários. Mesmo assim, o
Cosmos tentou se manter pelas próprias pernas, entrando em outra liga e
realizando amistosos. Chegou a vencer o Sporting e a empatar com o
Independiente, mas a ideia não durou mais do que um ano. Ficou apenas a
lenda, e a sensação de que o Cosmos poderia ser ainda maior se existisse
um Mundial de Clubes.