O anjo negro, Eneas
Eneas
de Camargo nasceu no bairro do Jaçanã, na cidade de São Paulo, em 18 de
março de 1954. Filho de Arnaldo de Camargo e Enedina Gomes de Camargo,
assim como os irmãos, Edir, Ednilson, Elias e Edméia, recebeu um nome
bíblico, no caso de um paralítico que houvera sido curado pelo apostolo
Pedro, São Pedro. Quando a família se mudou para morar no Canindé, o
menino de ainda 11 anos passou a frequentar a Portuguesa, onde logo
começou a fazer parte da equipe de futebol de salão. Atuando como pivô,
ao ser vice-campeão metropolitano em 1966, chamou a atenção do técnico
da equipe juvenil e ex-atleta da Lusa, Nena, e passou para o futebol de
campo.
Aos
16 anos, em jogo treino contra a equipe titular, marcou dois gols, na
vitória de 3 a 1 dos juvenis, passando a ser tratado como o “Pelezinho
do Canindé”. Ainda amador, estreou na seleção brasileira olímpica em
1971, durante o Torneio Pré-Olímpico de Cali, na Colômbia, juntamente
com outros dois estreantes que fizeram história no futebol brasileiro,
Zico e Falcão. O título foi conquistado de forma invicta, com Éneas
marcando gol na partida final frente o Peru, no dia 11 de dezembro. No
ano seguinte, em 1972, assinaria seu primeiro contrato como profissional
para atuar na Portuguesa do técnico Cilinho.
Muito
habilidoso e com o dom de dar dribles curtos, começou atuando no meio
campo, com a função de armar e ajudar na marcação, o que para o técnico
Oto Glória, recém-chegado a Portuguesa em 1973, era um grande
desperdício, tamanha sua facilidade de chegar à área adversária. Acabou
deslocado para atuar mais próximo ao ataque, e como ponta de lança,
passou a ser o grande nome da equipe do Canindé, se tornando um dos
grandes artilheiros do time.
Após
ser campeão da Taça São Paulo de 1973, competição promovida pela
Federação Paulista de Futebol durante os 45 dias da excursão da seleção
brasileira pela África e Europa, marcando gol na goleada por 3 a 0
frente o Palmeiras no dia 1° de julho, foi a grande revelação do
campeonato paulista daquele ano, quando a sua Lusa dividiu o título
estadual com o Santos de seu ídolo Pelé, em controversa final realizada
em 26 de agosto. Servindo o Exército no 2° Batalhão de Guardas, no
bairro do Cambuci, precisava ficar no quartel todos os dias entre às
6:00 e 14:00, o que fez com que desfalcasse a Portuguesa durante algumas
partidas do campeonato brasileiro daquele ano. Nos tempos de quartel,
brincava que vivia alguns “apuros” por conta das vitórias da Portuguesa
frente o Corinthians. Enquanto recebia elogios do Tenente Fernandes,
palmeirense, era colocado na cadeia pelo Tenente Landini, alvinegro.
Se
algumas equipes já tinham demonstrado interesse em sua contratação, sua
primeira convocação para a seleção brasileira principal serviu para
aumentar ainda mais este desejo por contar com seu futebol. Sua estreia
com a camisa canarinha aconteceu no empate por 1 gol frente a seleção
mexicana, em partida amistosa realizada no estádio do Maracanã, no dia
31 de março de 1974. Entrou durante a segunda etapa, no lugar de
Mirandinha, mas não convenceu o técnico Zagallo que não o levou para a
Copa Mundo da Alemanha. Suas atuações primorosas se revezavam com
momentos de certa displicência, o que chegou a passar uma imagem de
lento, em acusação injusta, similar a feita a outro fantástico jogador,
Ademir da Guia. Ainda assim, o assédio continuava grande e os dirigentes
da Lusa se mantinham irredutíveis na decisão de não vender seu
principal jogador.
No
ano seguinte, em 1975, novamente levaria a Portuguesa as finais do
campeonato paulista, desta vez frente ao São Paulo, que levou a melhor
na decisão por pênaltis em partida realizada em 17 de agosto, após ser
derrotado no tempo normal, por 1 a 0 com gol do próprio Enéas. Em 19 de
fevereiro de 1976 comandou a Lusa em mais uma conquista, da Taça
Governador do Estado de São Paulo, na goleada frente ao Guarani de
Campinas por 4 a 0. Novamente convocado para a seleção, desta vez pelo
técnico Osvaldo Brandão, foi titular nas partidas frente ao Paraguai, em
7 de abril de 1976, quando marcou o gol do empate de 1 a 1, e contra o
Uruguai, no dia 28, na vitória por 2 a 1. Suas atuações, no entanto, não
convenceram o experiente técnico, e Éneas não foi mais convocado.
Continuou
na Portuguesa, sempre sendo o principal nome da equipe enquanto esteve
por lá, e mantido por dirigentes que não abriam mão de sua permanência
no Canindé, o que sem duvida alguma prejudicou muito a sua carreira.
Novamente destaque da equipe da Portuguesa que liderou todo o primeiro
turno do campeonato paulista de 1980, acabou sendo contratado pela
equipe italiana do Bologna, desfalcando a Lusa justamente nas finais do
turno. Sua ultima partida com a camisa rubro verde aconteceu em 13 de
julho de 1980 no empate por 1 a 1 frente a Internacional de Limeira. Ao
todo atuou 376 vezes pela Portuguesa e marcou 179 gols, sendo o segundo
maior artilheiro da historia do clube atrás apenas de Pinga, com 190
gols.
Na
Europa, o frio e a forte marcação do futebol italiano foram os grandes
obstáculos para Éneas, que teve apenas lampejos de craque. Em 5 de
outubro de 1980 teve uma atuação primorosa na vitória da equipe por 1 a 0
frente a grande Juventus, em plena cidade de Turim, que seria a campeã
italiana da temporada de 1980/81, chegando a sofrer o pênalti que deu
origem ao gol de seu time. Ainda assim, muito pouco diante de toda a
expectativa gerada. Logo após sua primeira temporada, com 20 jogos
disputados e 3 gols marcados, foi negociado com o Palmeiras. Seu retorno
ao futebol brasileiro ganhou grande destaque, e foi considerada uma das
maiores já realizadas até então. Sua estreia em 19 de agosto de 1981,
na derrota por 2 a 1 frente ao Comercial de Ribeirão Preto em partida
valida pelo campeonato paulista, no entanto, foi um sinal do que seria
sua trajetória no alviverde. Atuando em uma equipe que sequer conseguiu
uma vaga para o campeonato brasileiro de 1981 e 1982, uma vez que o
campeonato estadual servia de classificação para a competição, e
sofrendo com muitas contusões, sobretudo em seu joelho direito, Éneas
foi apenas uma sombra do craque que despontara na Lusa.
Ao
final de 1983, após atritos com os técnicos Rubens Minelli e
posteriormente com Carlos Alberto Silva, que assumira a equipe em 1984,
acabou afastado da equipe por quase 8 meses. Deixou definitivamente o
alviverde, após 93 partidas e 28 gols marcados, emprestado gratuitamente
para atuar pelo XV de Piracicaba. Sua estreia na equipe do interior
paulista foi promissora, na vitória por 2 a 1 frente o América de São
José do Rio Preto, em 26 de agosto de 1984. Ledo engano. Em claro
declínio técnico logo mudaria de ares. Passaria por Atlético Goianiense,
Operário de Ponta Grossa e Juventude de Caxias do Sul, até, aos 32
anos, ser contratado pela Desportiva Ferroviária do Espirito Santo, para
atuar nas partidas finais do campeonato capixaba de 1986. Em 6 jogos,
marcou 6 gols, incluindo o decisivo da vitória por 2 a 1 frente ao Rio
Branco, que valeu pelo titulo estadual em 25 de maio. Sua ultima equipe
foi o Central Brasileira de Cotia em 1988.
Éneas
foi um dos maiores jogadores da história do futebol brasileiro, dono de
um talento raro e uma vítima de dirigentes que impediram seu
crescimento profissional, em seu maior momento, sob a alegação do amor
ao clube. Em outros tempos, sem a legislação vigente, em sua época,
referente ao passe dos atletas junto aos clubes, teria sido, como
atleta, muito mais do que foi.
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