O Deus Negro da Zaga, Lula Pereira
O
menino Luiz Carlos Bezerra Pereira nasceu na cidade pernambucana de
Olinda em 6 de junho de 1956. Passou sua infância no pequeno município
de Salgadinho, morando com sua mãe e irmã na casa do tio, Zé Paulo, e
seus nove filhos. A vida era muito dura e as brincadeiras logo foram
substituídas por atividades que ajudassem a reforçar a mesa da família.
Durante a semana, catava mariscos, que costumam viver no meio da lama.
Já aos finais de semana, tomava rumo dos estádios de Recife para vender
picolés e laranjas aos torcedores que assistiam as grandes equipes da
cidade.
A
necessidade fez com que os estudos fossem deixados de lado naquele
momento. O futebol era sua grande paixão e incentivado pelo tio Zé, sua
grande referência de vida, que fora jogador do América de Recife e do
Fluminense do Rio de Janeiro, logo as peladas se tornaram uma rotina
diária. Seu inicio como atleta aconteceu defendendo a equipe amadora da
sua cidade, o Jet. Em 1971, por conta de sua grande estatura, não
aparentava ter apenas 15 anos, chamou a atenção de um olheiro do Sport,
que logo o convidou para fazer testes na Ilha do Retiro.
Aliás,
foi nesta época que, enquanto batia uma pelada, uma das pessoas com
quem jogava levou uma edição da revista Placar e mostrou seu pai,
Geraldo Pereira, em uma foto da equipe baiana do Jequié. Surpreso, pegou
a revista e levou a sua mãe para que confirmasse. Foi desta forma que
conheceu seu pai. Preparou uma carta e mandou ao pai. Ao final daquele
ano, 1971, pegou um ônibus e foi até Feira de Santana para conhecê-lo.
Algo marcante.
Já
sob a alcunha de Lula, foi aprovado para atuar no Leão. Enfim o futebol
passou a ser uma possibilidade real de crescer na vida, deixando, de
vez, a lama dos mariscos para trás. Sua estreia como titular na equipe
principal aconteceria em 26 de janeiro de 1973, com 16 anos, no empate
por 1 a 1 frente o Botafogo da Paraíba, em partida amistosa. Lançado
pelo ex-goleiro paraguaio Juan Perez, que assumira o cargo de técnico da
equipe, Lula passou a ganhar destaque na equipe com a chegada do
técnico Otacílio Pires de Camargo, o Cilinho. Embora não tenha sido
campeão naquele ano, Lula fez um ótimo campeonato pernambucano, sendo
indicado com uma das grandes revelações da competição.
O
ano de 1975 foi marcante para a sua carreira. No primeiro semestre foi
campeão pernambucano pelo Sport, tendo um importante papel para o fim de
um incomodo tabu de quase 13 anos sem títulos da equipe rubro-negra.
Campeão, diante das dificuldades em renovar seu contrato, teve seu passe
estipulado na Federação Pernambucana de Futebol. Coube ao rival Santa
Cruz fazer uma campanha junto à torcida para adquirir recursos para
contratá-lo. A estreia de Lula, no entanto, aconteceu em uma partida que
ainda é uma mancha na historia da equipe tricolor. Em 10 de setembro de
1975, na derrota por 1 a 0 frente ao Internacional, em partida válida
pelo Brasileirão, a equipe pernambucana ficou com número insuficiente de
atletas, menos de 7 jogadores, por conta de expulsões e simulações de
contusão. O próprio Lula foi expulso naquele dia. A chegada do técnico
Paulo Emílio, no entanto, mudou o astral da equipe que fez a mais bela
campanha de um time nordestino, até então, em campeonatos brasileiros,
ao chegar as semifinais da competição. Juntamente com Levir Culpi, Lula
formou uma dupla de zaga que se destacou naquele ano, em uma equipe que
também contou com outros importantes nomes, tais como os de Carlos
Alberto Barbosa, Givanildo, Ramon, Nunes e Luís Fumanchu.
Zagueiro
que jogava duro, muito aplicado na marcação e que tinha um ótimo
cabeceio, Lula também costumava se aventurar ao ataque, o que
possibilitou que marcasse gols importantes. Em 26 de outubro de 1975,
por exemplo, o Santinha perdia de 1 a 0 para o Palmeiras, no Parque
Antarctica, quando Lula empatou o jogo que acabaria com a vitória
pernambucana por 3 a 2. Aquele jogo foi considerado o grande divisor de
águas da grande campanha da equipe da Cobra Coral.
Conquistou
três títulos pernambucanos com o Santa Cruz, em 1976, 1978 e 1979. Após
o campeonato brasileiro de 1980, foi negociado junto ao Ceará Sporting
Clube, onde passou a fazer dupla de zaga com seu ex-companheiro de
Sport, Pedro Basílio. Sua estreia com a camisa alvinegra aconteceu em 22
de junho de 1980, em partida válida pelo campeonato cearense, na
derrota por 1 a 0 frente ao Ferroviário. Embora já tivesse muitos
títulos em seu currículo, Lula tinha apenas 23 anos e muita lenha para
queimar. Não por acaso se transformou em um dos líderes do Vozão durante
os quase 7 anos em que defendeu suas cores, período em que conquistou 4
títulos cearenses, em 1980, 1981, 1984 e 1986. Segundo muitos
torcedores alvinegros, é um dos maiores nomes da história do clube.
Não
são poucos os fatos que marcaram a sua importância junto ao “Alvinegro
de Porangabucu”. Em 2 de julho de 1986, por exemplo, em jogo válida pelo
campeonato cearense, no estádio Presidente Vargas, frente o Guarany de
Sobral, a partida estava dura, e após muito pressionar o Ceará abriu o
placar, 1 a 0. Os jogadores foram em bloco comemorar com a torcida.
Aproveitando o momento de distração, os atletas sobralenses reiniciaram a
partida rapidamente, antes que os alvinegros voltassem para seu campo. O
resultado foi o gol de empate, 1 a 1. Logo a seguir, o Ceará voltou ao
ataque e marcou 2 a 1. Desta vez, apenas um jogador alvinegro não foi
comemorar, Lula. Ele ficou em pé no circulo central, segurando a bola,
enfrentando toda a equipe do Guarany que tentava, novamente, antecipar o
reinicio da partida. A nova saída só foi dada, quando todos os atletas
do Ceará já tinham retornado da comemoração e Lula resolveu entregar a
bola aos adversários. Ao final, a vitória por 3 a 2 foi um importante
passo para aquela equipe que conquistaria o título cearense em 24 de
agosto, ao vencer o Fortaleza, por 2 a 1. Por conta do rompimento do
tendão de Aquiles, Lula encerrou sua carreira ao final daquele ano,
ainda com 30 anos.
Lula
foi um vencedor no futebol. Um digno e, infelizmente, raro exemplo de
alguém que soube fazer do futebol, um legítimo meio para crescer e mudar
seu futuro e de sua família. Um homem valoroso que é sempre lembrado
com sorriso pelos torcedores dos clubes que defendeu.
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