quarta-feira, 22 de junho de 2016

O Deus Negro da Zaga, Lula Pereira

O Deus Negro da Zaga, Lula Pereira

O menino Luiz Carlos Bezerra Pereira nasceu na cidade pernambucana de Olinda em 6 de junho de 1956. Passou sua infância no pequeno município de Salgadinho, morando com sua mãe e irmã na casa do tio, Zé Paulo, e seus nove filhos. A vida era muito dura e as brincadeiras logo foram substituídas por atividades que ajudassem a reforçar a mesa da família. Durante a semana, catava mariscos, que costumam viver no meio da lama. Já aos finais de semana, tomava rumo dos estádios de Recife para vender picolés e laranjas aos torcedores que assistiam as grandes equipes da cidade.
A necessidade fez com que os estudos fossem deixados de lado naquele momento. O futebol era sua grande paixão e incentivado pelo tio Zé, sua grande referência de vida, que fora jogador do América de Recife e do Fluminense do Rio de Janeiro, logo as peladas se tornaram uma rotina diária. Seu inicio como atleta aconteceu defendendo a equipe amadora da sua cidade, o Jet. Em 1971, por conta de sua grande estatura, não aparentava ter apenas 15 anos, chamou a atenção de um olheiro do Sport, que logo o convidou para fazer testes na Ilha do Retiro.
Aliás, foi nesta época que, enquanto batia uma pelada, uma das pessoas com quem jogava levou uma edição da revista Placar e mostrou seu pai, Geraldo Pereira, em uma foto da equipe baiana do Jequié. Surpreso, pegou a revista e levou a sua mãe para que confirmasse. Foi desta forma que conheceu seu pai. Preparou uma carta e mandou ao pai. Ao final daquele ano, 1971, pegou um ônibus e foi até Feira de Santana para conhecê-lo. Algo marcante.
Já sob a alcunha de Lula, foi aprovado para atuar no Leão. Enfim o futebol passou a ser uma possibilidade real de crescer na vida, deixando, de vez, a lama dos mariscos para trás. Sua estreia como titular na equipe principal aconteceria em 26 de janeiro de 1973, com 16 anos, no empate por 1 a 1 frente o Botafogo da Paraíba, em partida amistosa. Lançado pelo ex-goleiro paraguaio Juan Perez, que assumira o cargo de técnico da equipe, Lula passou a ganhar destaque na equipe com a chegada do técnico Otacílio Pires de Camargo, o Cilinho. Embora não tenha sido campeão naquele ano, Lula fez um ótimo campeonato pernambucano, sendo indicado com uma das grandes revelações da competição.
O ano de 1975 foi marcante para a sua carreira. No primeiro semestre foi campeão pernambucano pelo Sport, tendo um importante papel para o fim de um incomodo tabu de quase 13 anos sem títulos da equipe rubro-negra. Campeão, diante das dificuldades em renovar seu contrato, teve seu passe estipulado na Federação Pernambucana de Futebol. Coube ao rival Santa Cruz fazer uma campanha junto à torcida para adquirir recursos para contratá-lo. A estreia de Lula, no entanto, aconteceu em uma partida que ainda é uma mancha na historia da equipe tricolor. Em 10 de setembro de 1975, na derrota por 1 a 0 frente ao Internacional, em partida válida pelo Brasileirão, a equipe pernambucana ficou com número insuficiente de atletas, menos de 7 jogadores, por conta de expulsões e simulações de contusão. O próprio Lula foi expulso naquele dia. A chegada do técnico Paulo Emílio, no entanto, mudou o astral da equipe que fez a mais bela campanha de um time nordestino, até então, em campeonatos brasileiros, ao chegar as semifinais da competição. Juntamente com Levir Culpi, Lula formou uma dupla de zaga que se destacou naquele ano, em uma equipe que também contou com outros importantes nomes, tais como os de Carlos Alberto Barbosa, Givanildo, Ramon, Nunes e Luís Fumanchu.
Zagueiro que jogava duro, muito aplicado na marcação e que tinha um ótimo cabeceio, Lula também costumava se aventurar ao ataque, o que possibilitou que marcasse gols importantes. Em 26 de outubro de 1975, por exemplo, o Santinha perdia de 1 a 0 para o Palmeiras, no Parque Antarctica, quando Lula empatou o jogo que acabaria com a vitória pernambucana por 3 a 2. Aquele jogo foi considerado o grande divisor de águas da grande campanha da equipe da Cobra Coral.
Conquistou três títulos pernambucanos com o Santa Cruz, em 1976, 1978 e 1979. Após o campeonato brasileiro de 1980, foi negociado junto ao Ceará Sporting Clube, onde passou a fazer dupla de zaga com seu ex-companheiro de Sport, Pedro Basílio. Sua estreia com a camisa alvinegra aconteceu em 22 de junho de 1980, em partida válida pelo campeonato cearense, na derrota por 1 a 0 frente ao Ferroviário. Embora já tivesse muitos títulos em seu currículo, Lula tinha apenas 23 anos e muita lenha para queimar. Não por acaso se transformou em um dos líderes do Vozão durante os quase 7 anos em que defendeu suas cores, período em que conquistou 4 títulos cearenses, em 1980, 1981, 1984 e 1986. Segundo muitos torcedores alvinegros, é um dos maiores nomes da história do clube.
Não são poucos os fatos que marcaram a sua importância junto ao “Alvinegro de Porangabucu”. Em 2 de julho de 1986, por exemplo, em jogo válida pelo campeonato cearense, no estádio Presidente Vargas, frente o Guarany de Sobral, a partida estava dura, e após muito pressionar o Ceará abriu o placar, 1 a 0. Os jogadores foram em bloco comemorar com a torcida. Aproveitando o momento de distração, os atletas sobralenses reiniciaram a partida rapidamente, antes que os alvinegros voltassem para seu campo. O resultado foi o gol de empate, 1 a 1. Logo a seguir, o Ceará voltou ao ataque e marcou 2 a 1. Desta vez, apenas um jogador alvinegro não foi comemorar, Lula. Ele ficou em pé no circulo central, segurando a bola, enfrentando toda a equipe do Guarany que tentava, novamente, antecipar o reinicio da partida. A nova saída só foi dada, quando todos os atletas do Ceará já tinham retornado da comemoração e Lula resolveu entregar a bola aos adversários. Ao final, a vitória por 3 a 2 foi um importante passo para aquela equipe que conquistaria o título cearense em 24 de agosto, ao vencer o Fortaleza, por 2 a 1. Por conta do rompimento do tendão de Aquiles, Lula encerrou sua carreira ao final daquele ano, ainda com 30 anos.
Lula foi um vencedor no futebol. Um digno e, infelizmente, raro exemplo de alguém que soube fazer do futebol, um legítimo meio para crescer e mudar seu futuro e de sua família. Um homem valoroso que é sempre lembrado com sorriso pelos torcedores dos clubes que defendeu.

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